Entenda o que foi o escândalo da Loteria Esportiva no Brasil

Não é de hoje que o futebol brasileiro vive com problemas relacionados a escândalos de manipulação de resultados em jogos de futebol. A deflagração da Operação Penalidade Máxima, que já está em sua 2ª fase e investiga partidas de futebol do Campeonato Brasileiro das Séries A e B é mais um triste episódio de uma história que de tempos em tempos volta a acontecer no cenário nacional. Desta vez, supostos apostadores captam atletas com a promessa de pagamento de comissões altas em troca de que os jogadores assumam a responsabilidade de cometer algum ato em campo, seja cometer um pênalti, tomar um cartão, ou até mesmo prejudicar o seu time para perder o jogo intencionalmente.

Mas muito se engana quem pensa que este tipo de conduta é nova ou que isso é fruto das gerações mais novas ligadas às casas de apostas. Há 41 anos, em 1982, outro escândalo, similar ao que a Polícia, em parceria com o Ministério Público investiga aconteceu no Brasileirão daquele ano, no que ficou conhecido como o caso da Loteria Esportiva, investigada e desmascarada pela revista Placar, que entrou para a história do jornalismo esportivo ao revelar os esquemas que envolviam 125 pessoas, entre jogadores, personalidades da época, e dirigentes dos clubes.

Entenda o que foi a Máfia da Loteria Esportiva em 1982

O jornalista Sérgio Martins, então repórter da Revista Placar, revelou o envolvimento de 125 acusados, entre árbitros, jogadores, e cartolas, incluindo a presença de dois campeões mundiais pela Seleção Brasileira, (Amarildo e Marco Antônio), em um esquema que fazia operações fraudulentas em favor de um grupo de apostadores, naquele que era o principal jogo de azar da época, a Loteria Esportiva.

A denúncia feita pelo veículo, rodou o mundo inteiro, e teve sua lembrança ainda mais reforçada por conta dos escândalos atuais. O trabalho foi reconhecido com o Prêmio Esso de Jornalismo na categoria geral, no ano de 1982. Três anos mais tarde, a Polícia Federal anunciou a conclusão das investigações sobre a Máfia da Loteria Esportiva. Dos 125 acusados no envolvimento no esquema, apenas 20 pessoas foram de fato iniciadas, pois havia uma dificuldade muito grande de encontrar provas mais concretas, apesar da quantidade considerável de evidências.

Flávio Moreira, jornalista que trabalhava na agência de notícias Sport Press, passou a ser o principal informante do grupo na fabricação e escolha de resultados, que contava com João Nunes da Costa Filho (gerente do Banco Econômico), que era um dos principais cabeças do esquema. Além de Costa Filho, o grupo era formado por Garcia, que trabalhava como contador, e Triunfo, que era dono de uma lotérica.

Flávio se arrependeu de ter se envolvido no esquema, e virou uma das principais fontes da reportagem, que conseguiu expôr a Máfia e suas atividades. Porém, a Polícia Federal só começou a ouvir os primeiros acusados após um mês das denúncias. Na conclusão do inquérito, que foi realizada pelo Delegado Paulo Lacerda, o policial afirmou que não existia uma organização de manipulação, mas apenas alguns grupos isolados. Por conta disso, o processo fez com que todos os crimes cometidos fossem prescritos, e nenhum dos envolvidos recebeu as devidas punições. Infelizmente, a Máfia da Loteria Esportiva deixou um legado de corrupção e impunidade no Brasil.

Como funcionava o esquema de manipulação

Como chefe do setor de loteria da Sport Press, Moreira organizava os testes escolhendo alguns jogos que interessavam aos grupos para os quais trabalhava, mandando-os para aprovação em Brasília.  Esses jogos determinados envolviam clubes nos quais os vários grupos que formaram a “Máfia da Loteria” tinham facilidade de acesso. Flávio Moreira, por volta de 1975 foi procurado por pessoas de São Paulo para colocar alguns jogos pré-escolhidos por elas nos testes que o jornalista organizava. Um tempo depois, o mesmo recebeu um telefonema de Alberto Damasceno, grande radialista cearense da época, o qual tinha muita amizade.

Damasceno alertou a Flávio que alguém em São Paulo queria muito seu contato, este alguém era nada mais nada menos do que João Nunes da Costa Filho, gerente do Banco Econômico, e que se dizia representante de um grupo que apostava altos valores em dinheiro na Loteria Esportiva, passado algum tempo, Moreira descobriu que Nunes era o próprio chefe do grupo, e não apenas um representante como havia se descrito. Aos poucos, a participação do funcionário da Sport Press deixou de ser apenas restrita à indicação dos testes que preparava e passou a se tornar o principal contato do grupo na fabricação de resultados em jogos de futebol do país.

Em um dos casos mais emblemáticos envolvendo a “Máfia da Loteria” envolveu o goleiro Hélio Show, que jogou no ABC de Natal, e depois defendeu o time do Ferroviário do Ceará. O arqueiro foi procurado para permitir que seu time perdesse uma determinada partida, e acabou ficando com receio de participar do esquema, mesmo tendo dado sua palavra aos apostadores. Negar o pedido não podia, porque estava já por demais comprometido. Então, o desespero tomou o jogador, que quebrou um taco de sinuca na cabeça de um companheiro seu, Noé Soares, dentro da concentração. Foi automaticamente afastado do time, e o Elefante da Frasqueira perdeu o jogo.

Fato é que este esquema de manipulação mexeu com as estruturas das apostas esportivas do país, que depois da reportagem veiculada pelo Lance, acabou endurecendo mais a fiscalização junto às loterias para que este tipo de conduta não fosse mais permitida, entretanto, o fato da punição aos envolvidos não ter sido tão severa como deveria, manchou parte da história do esporte bretão no país, prejudicando muitas pessoas que perderam dinheiro, acreditando na integridade das suas apostas na época.

Lucas de Souza

Lucas de Souza

Repórter na equipe do Futebol na Veia e redator na Trivela, Lucas Souza é narrador do canal Futebol Interior e da Federação Paulista de Futebol.