Aos 51 anos, contando com quase 30 no jornalismo esportivo, o multitarefas Mauro Beting, filho do também jornalista Joelmir Beting, e assumidamente palmeirense, foi um dos cinco embaixadores do centenário do clube. Fez sete preleções para o elenco. É autor de 16 livros publicados sobre o clube – entre eles, o da história do centenário e outros sobre atletas e personagens. Além disso, já passou por mais de vinte empresas como jornalista e comentarista, incluindo o rival de sua torcida, Corinthians. Mauro é a voz das arquibancadas.
Futebol Na Veia – Você nasceu em uma família de jornalistas?
Mauro Beting – Infelizmente (risos)! Meus pais se conheceram em uma rádio, a 9 de julho, em São Paulo. Eu brinco, falando sério, que eu sou filho do rádio, porque, meu pai era jornalista e advogado, meu avô era jornalista e sociólogo, minha mãe fez vários trabalhos jornalísticos, embora geógrafa. A mãe dos meus filhos é jornalista, sou afilhado de jornalista, sou padrinho de jornalista, sou sobrinho de jornalista, primo, irmão, não sei o que lá. E pelo visto, acho que vou ser pai de jornalista também. Tenho mais de 30 na família.
FNV – E sendo um apaixonado por futebol, você nunca pensou em ser jogador?
Mauro – Não, sempre pensei em ser jornalista. Jogador, pelo menos, tive essa autocrítica de saber que jamais seria, embora fosse bom goleiro de pelada. Nunca fui atleta. E é aquela coisa, quem sabe faz, quem não sabe fala. Então como eu não sei… mas me apaixonei pelo futebol. Aprendi a ler com a revista placar, ouvia muito rádio. Minha mãe queria que eu fizesse outra coisa, por isso eu fiz um outro curso. Fiz direito, com jornalismo ao mesmo tempo. O direito mais torto possível na USP. Jornalismo eu fiz onde era mais perto de casa, que era na FIAM, onde, aliás, eu daria aula de jornalismo por 4 anos. Foi muito gostoso dar aula lá, mas, sempre me imaginei jornalista. Quando a minha mãe viu que não tinha jeito, que eu não ia ser advogado, juiz, qualquer coisa, ela pediu: ‘tá, então só faça uma coisa, filho, não seja jornalista esportivo’. E como sou um filho mal-educado, é o que eu faço nesses 30 anos de jornalista, 28 como jornalista esportivo.
FNV – E o seu curso de direito influenciou em algo na sua carreira?
Mauro – Muito. Ajudou a abrir muitas portas. O conhecimento de muita gente, uma cultura mais ampla. Não sei coisas básicas do direito, mas a mentalidade, a vivência, como qualquer coisa, a gente aprende. E cada vez mais eu falo para jornalistas, estudantes de jornalismo, ou quem pretende seguir carreira, que faça outra coisa também. Seja no esporte, seja na política, seja na arte, moda, internacional, o que vier a fazer. O jornalista é o famoso especialista em coisa alguma, então quanto mais conhecimento adquirir, melhor para a carreira dele.
FNV – Quando você iniciou no jornalismo esportivo, o seu pai, Joelmir Beting, já vinha de uma carreira antes, ele te dava algumas dicas?
Mauro – Ele tinha trabalhado de 1956 até 1961 como jornalista esportivo, mas ele era tão palmeirense que depois de um jogo entre Palmeiras x Corinthians, no Pacaembu, o Palmeiras empatou meio em cima da hora, e ele começou a distribuir bananas para a torcida do Corinthians na tribuna de imprensa, depois disso ele falou ‘ cara, não consigo ser isento, independente o suficiente e imparcial’. Então ele fez a matéria do jogo que lhe cabia no Jornal O Esporte, e logo em seguida assinou sua carta de demissão, não só do jornal, mas da função de jornalista esportivo. Mas ele não era de falar muitas coisas, embora fosse um mega comunicador, tínhamos um defeito que era não perguntar as coisas. Eu acho que não abusei do nepotismo, tanto é que só fomos trabalhar juntos depois de 17 anos de carreira, a convite da BandSports. Eu absorvia quase que por osmose, ou DNA. Ele não era muito de falar, era de dar toques, no máximo, eu digo que eu aprendi com o Joelmir Beting como qualquer outra pessoa aprendeu.
FNV – Como o fato de ser palmeirense?
Mauro – É, graças a Deus, isso é por DNA. Sou palmeirense de útero. Ele dizia que era um palmeirense patogênico, por que além de ser doente pelo Palmeiras, embora eu ache que o Palmeiras é sempre são, doentes são os outros, ele dizia que ele conseguiu incutir esse vírus, se dá para dizer assim, do palmeirismo, do palestrinismo na família.
FNV – Falando em Palmeiras, você foi na semifinal da Libertadores em 2000, entre Corinthians x Palmeiras, no meio da torcida do Corinthians. Como foi?
Mauro – Eu estava na Bandeirantes na época, a gente não transmitia aquela Libertadores, fui ao jogo, e naquele momento o Morumbi estava em reforma e a cabine ficava em baixo. Fomos em 3 palmeirenses e mais 18 corintianos. Eu tinha a máscara verde do Mister M, e para ficar incólume resolvi usar. Estava lá a cativa cheia, e aconteceu o gol do Palmeiras, os 2 palmeirenses comemoraram, mas normalmente, trabalhando ou não trabalhando, não comemoro, é só ver minhas imagens nas cabines da Jovem Pan, ainda mais naquele momento. Só que o pessoal olhou, os outros palmeirenses que berraram ficaram quietos e estavam sem a camisa do Palmeiras, quem era o único tonto com máscara de Mister M verde? Este aqui. Então o pessoal já veio meio para cima e eu fui para o outro lado, coincidentemente cruzei com o Zé Elias, grande Zé da Fiel, e nós ficamos num cantinho assistindo ao jogo. Quando vi que ia para os pênaltis, morava perto do Morumbi, disse: ‘quer saber? Vou lá para casa para ver os pênaltis’, e foi maravilhoso ver o Marcelinho chutar e o Marcos defender.
FNV – Qual a relação entra a paixão pelo Palmeiras e o Jornalismo esportivo?
Mauro – Resolvi assumir, mais ainda, descaradamente, desbragadamente minha paixão, porque só sou jornalista esportivo há 28 anos, porque sou palmeirense há 51, então desde 2015 decidi andar com a camisa do Palmeiras, sem problema. Eu adoro camisa de futebol. Por mim teria casado usando camisa de futebol. Além disso, jamais poderia imaginar fazer a autobiografia do Marcos, a autobiografia do Evair. Estou fazendo de outros grandes ídolos, não só do meu time, como do Zico, do Cafú. A maior recompensa é estar, justamente, no Esporte Interativo e ter um prêmio de reportagem chamado Mauro Beting. Graças a Deus eu já ganhei vários prêmios, virei hors concours da ACEESP (Associação dos Cronistas Esportivos do Estado de São Paulo), hors concours no Prêmio Comunique-se de escrita desportiva, mas, o maior de todos, para mim, foi a homenagem que o Esporte Interativo me deu. Outra coisa que é muito legal, muito prazerosa e me deixa extremamente feliz, é encontrar pessoas na rua ou que se manifestam em redes sociais, entrevistar pessoas que viraram jornalistas, e que assumem que viraram jornalistas, por minha causa. É uma responsabilidade, e eu digo que é o melhor prêmio profissional, é um prêmio pessoal.
FNV – Você acha que essa paixão pelo futebol, em algum momento, te ajudou na hora de escrever algum texto?
Mauro – Claro, eu tenho mais textos publicados em livros do Corinthians do que do Palmeiras. Eu tenho mais livros do Palmeiras do que com corintianos, mas assim, para tentar entender a loucura que é o futebol, só sendo torcedor. Tenho o direito, como ser humano, de ser torcedor e tenho o dever como jornalista de não distorcer pelo Palmeiras. Quando você entende essa paixão, e você a mantém, você consegue entender a dos outros. Evidentemente, como torcedor, até 1990 não queria que o Corinthians fosse campeão, como foi naquele mesmo ano. Não queria que o São Paulo fosse campeão do mundo, como seria 2 anos depois que comecei a carreira no jornalismo, em 90. Não tem problema nenhum você manter essa paixão no trabalho, e futebol é paixão e para entender essa loucura você tem que se manter torcedor. O que não pode é esconder. Nesse aspecto acho que fui feliz nesses 28 anos de profissão. Eu sou muito mais cobrado pelos palmeirenses, que querem que eu seja um talibã palmeirense, um porta voz do clube, um porta- berro da torcida do que com outras torcidas. Já ouvi ‘Onde já se viu isso? Jornalistinha metido a imparcial, isentão, mureteiro’, mas tentar ser imparcial é um dever do ofício, não é nem virtude.
FNV – Você já falou em algumas palestras que a melhor forma de ver os dois ou mais lados de uma situação é estando em cima do muro. Você acha que assim um jornalista consegue encontrar um equilíbrio entre a paixão e os fatos?
Mauro – Acho que a melhor definição de qualquer ofício de jornalista, não só esportivo, é buscar sempre a melhor visão possível dos fatos. Por exemplo, no futebol, pegando nosso campinho tacanho, a própria regra do jogo é interpretativa, como é que vou falar ‘foi pênalti’ ou ‘não foi pênalti’, eu posso dizer se foi ou não foi na minha opinião, na minha interpretação. Não posso dizer ‘é isso’ ou ‘não é isso’, você tem que tentar ser equilibrado. É uma característica, que está muito mais próxima do dever jornalístico de ofício, de tentar ver a melhor versão possível dos fatos, de subir em cima do muro para ver os vários lados, as várias pluralidades, as várias cores e credos, do que você só empunhar a bandeira.
FNV – Falando um pouco de opiniões, o que você pensa sobre a política, e suas manifestações, refletidas no esporte?
Mauro – Eu tenho um texto que fala que a manifestação política pode e deve ser feita sempre. Desde que se respeite quem pensa diferente. Desde que não atrapalhe a vida de quem tem algo a ver ou nada com isso. Desde que a mesma coragem para protestar se tenha para ser protestado com e sem juízo. Tudo é manifestação política. Qualquer coisa que você faz é política, é social. Tem que tentar ser imparcial, tentar ser isento, mas tem horas que você tem que se manifestar, como eu digo no trecho ‘a manifestação política pode ser imprópria e até criminosa. Mas como qualquer manifestação, qualquer uma, ela precisa ser sempre respeitada. Mesmo que ‘desrespeite’ um Hino Nacional, o respeito à humanidade e o repúdio a qualquer desumanidade serão sempre bandeiras maiores’.
FNV – Para encerrar, teve alguma cobertura na sua carreira que mais te marcou?
Mauro – A próxima vai ser sempre a maior (risos). Mas também foi muito emocionante, no ano passado, meu 1º jogo in loco da Liga dos Campeões. Eu fui credenciado para 7 finais pela Band e sempre em cima da hora não íamos, brinco que perdi mais finais que o Simeone. A vez que eu fiz, o hino tocando… justamente um Real Madri x Bayern de Munique, no Santiago Bernabéu, foi absolutamente inesquecível. Teve também o Paulista de 2008. Palmeiras foi campeão, 1° vez que eu estava narrando, e na cabine em baixo de mim, no Palestra Itália, estava meu filho mais velho. Foi 5×0, a maior goleada da história de uma final paulista. Toda vez eu botava a cabeça ele levantava, e foi maravilhosos.