O Uruguai foi um dos precursores da inclusão de jogadores negros em seus futebol. Mas foi pioneiro, de fato, em convocar negros para à seleção. Assim, em 1916, Isabelino Gradín foi chamado para defender a Celeste no Campeonato Sul-Americano (atual Copa América). Portanto, a coluna vai te contar a história deste gigante do esporte uruguaio. Esta lenda seria o Pelé Uruguaio? Se não for, inspirou o Rei.
Quem foi a lenda Isabelino Gradín?
Nascido em 8 de julho de 1897, na Rua Miní, coração do Bairro Sur, em Montevidéu. Mas foi criado no famoso bairro Palermo. Este que, juntamente com Sur, abrigava grande parte da população imigrante afro-uruguaia. Neto de escravos africanos do reino do Lesoto, Gradín foi um jogador de futebol e velocista do meio da década de 1910 até o final da década de 1920.
Nunca conseguiu escolher entre o futebol e o atletismo, ambos sendo suas paixões. Assim, se dedicou aos dois esportes e teve êxito. Suas histórias são contadas de geração em geração. Isabelino tinha um vigor físico invejável! As pessoas que o viram jogar já não estão mais vivas. E ainda assim sua memória vive. Uma das torcidas organizadas mais jovens do Peñarol, no popular bairro La Aduana, muito perto de onde Isabelino morava, leva seu nome.
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O Pelé do futebol uruguaio
No futebol era atacante, precisamente um ponta-esquerda, mas daqueles artilheiros. Foi um dos maiores jogadores de futebol no início do futebol uruguaio e é considerado um dos maiores antes da vitória uruguaia na Copa do Mundo de 1930. Começou a carreira em 1913, aos 15 anos, no Club Agraciada, que disputava a 3ª divisão uruguaia. Mas seu bom futebol rapidamente foi reconhecido e, em 1914, passou rapidamente pelo Peñarol.
Ainda muito jovem, foi cedido ao Olímpia, também de Montevidéu, clube do qual lhe deu projeção e impulsionou seu futebol. Em 1915, aos 18 anos, retornou ao Peñarol. É considerado o primeiro ídolo do futebol uruguaio. Ficou no clube de 1915 a 1921. Lá conquistou o Campeonato Uruguaio de 1918 e 1921. Jogou 212 partidas pelos Aurinegros, marcando 101 gols.
Em 1922 participou da fundação do novo Olimpia FC (mais tarde conhecido como River Plate). Gradín jogou no Olimpia até se aposentar do futebol em 1929, embora seu foco na carreira posterior tenha sido o atletismo, e não o futebol.
Gradín na Seleção Uruguaia
Juntamente com Juan Delgado, foi o primeiro negro na Seleção Uruguaia. A primeira partida foi no primeiro Sul-Americano de Seleções, em 1916. Foi uma contestada goleada sobre o Chile por 4 x 0. Isso porque os chilenos protestaram pós-derrota e pediram cancelamento da partida: “Eles jogaram com dois africanos!“. Felizmente, as reivindicações não foram ouvidas. Isabelino Gradín marcou o primeiro e o terceiro gol.
Foi o segundo homem a marcar um gol em uma partida entre Brasil e Uruguai, atrás apenas do primeiro ídolo do futebol brasileiro, Arthur Friedenreich. Fried abriu o placar aos oito minutos, mas Gradín empatou aos 58′. Tognola fez o tento da vitória aos 77′. Na último partida o empate sem gols com a Argentina garantiu o primeiro título Sul-Americano de Seleções ao Uruguai. Como se não bastasse, Gradín foi, com três gols, o artilheiro e melhor jogador do torneio.
Também foi campeão do Sul-Americano de 1917, este que tinha os irmãos Scarone e Ángel Romano como craques. No Sul-Americano de 1919 marcou duas vezes, mas o Uruguai não levou o título. Devido a um “racha” entre a federação uruguaia e os clubes, não participou de vários campeonatos sul-americanos. Também não jogou as Olimpíadas de 1924 (onde seu país foi campeão). Já em 1928, se recusou a jogar. Por fim, jogou 24 jogos com a seleção entre 1915 e 1927, marcando 10 gols.
Isabelino Gradín marcou 10 gols em 24 jogos pela Seleção Uruguaia entre 1916 e 1927. Ponta-esquerda habilidoso, foi o 1º negro a jogar por uma Seleção, juntamente com seu companheiro de Peñarol, Juan Delgado. Pelé chegou a mencioná-lo como uma de suas inspirações. pic.twitter.com/9pcjNSMuwM
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A lenda que encorajou o Brasil
A força de Isabelino Gradín encorajou os negros brasileiros a acreditarem que poderiam jogar futebol. Na época, o Brasil ainda relutava a selecionar jogadores negros. Arthur Friedenreich era mulato e foi o primeiro ídolo do futebol brasileiro. Mas com a notoriedade de Gradín os negros brasileiros puderam sonhar. Dizem que o então Presidente da República do Brasil, Epitácio Pessoa, proibia a convocação de atletas negros.
Estilo de jogo e visão poética
O ponta-esquerda era um atleta de ouro. Dotado de um pé esquerdo forte, habilidoso e muito rápido, além do vigor físico invejável. Também bom com o pé direito, construiu sua reputação com seu ritmo explosivo, cruzamentos precisos e forte chute com a canhota. O escritor uruguaio Eduardo Galeano lembra, em texto de seu livro: “Futebol ao Sol e à Sombra”, qual era a sensação dos torcedores quando Isabelino pegava na bola:
“As pessoas se levantavam quando ele se lançava numa velocidade espantosa. Ele dominava a bola como se estivesse andando. Sem esforço, se esquivava dos adversários e retomava seu curso em velocidade. Tinha cara de santo e quando fazia cara de mau, ninguém acreditava“.
O poema de Juan Parra del Riego
Antes de mais nada, o poeta peruano Juan Parra del Riego, destaca-se uma parte da sua coleção dedicada à Isabelino, “Dinâmica polirrítmica a Gradín, jogador de futebol”, com os seguintes dizeres:
“Pulsante e jubiloso como o grito que de repente é lançado em um aviador. Tão claro e nervoso, eu canto para você, oh jogador maravilhoso! Hoje você fez meu peito como um tambor trêmulo. Ágil, fino, alado, elétrico, repentino, delicado, fulminante, vi você jogar na tarde olímpica. Flecha, víbora, sino, bandeira! Gradin, bala azul e verde! […]
Você passa por um… dois… três… quatro… sete jogadores… A bola ferve em um ruído seco e monótono de estilhaços. Uma epilepsia colorida rola e você já está na frente da área com o peito… a alma… o pé… e é o chute que na tarde azul explode como um chute quente que leva a bola para a rede”.
O jornalista brasileiro Mário Filho também o mencionou
Segundo o jornalista Mário Filho, em seu precioso livro “O negro no futebol brasileiro”, no momento em que futebol brasileiro começou a dar oportunidade ao ingresso de jogadores negros, a crônica especializada sempre aludia à figura de Gradín: “Depois do aparecimento do inolvidável ponteiro esquerdo houve uma praga de Gradins no Brasil”.
Medalha conquistada por Isabelino Gradin, em 23 de março de 1919, onde foi campeão sul-americano nos 200 metros. Um dos maiores atletas da história do Uruguai e foi o primeiro negro em uma Seleção de Futebol.
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O Terror das Pistas de Atletismo
Decerto, começou sua carreira no atletismo no Plaza de Deportes Nº 1, antes de se transferir para o Olimpia. No atletismo foi um atleta de destaque, tendo competido nacional e internacionalmente em provas de 200m, 400m e revezamento 4×400 metros, registrando cinco recordes sul-americanos.
Em 1918, foi ouro nos 400m, bronze nos 200m e prata no revezamento 4×400. Já em 1919, foi ouro nos 200m e 400m e prata no revezamento 4×400. Foi ouro nos 200m (recorde 22″4), 400 metros e 4×400 (recorde 3'34”) em 1920. Em 1922, participou dos Jogos Latino-Americanos de 1922, no Rio de Janeiro. Gradin bateu o recorde de 50″6 nos 400 metros rasos. Assim, totalizando sete medalhas de ouro no atletismo, além de duas pratas e um bronze.
O monstro que impressionou o Brasil e a América do Sul
Porém foi em 1922, nos Jogos Latino-Americanos, no Brasil, que o atleta se consagrou. Celebrado na pátria verde-amarela devido a comemoração do centenário da Independência, Gradín impressionou a todos. Já campeão nos 400m, causou alvoroço no revezamento 4×400. O jornalista uruguaio Pablo Aguirre Varrailhon contou, no livro “Un fútbol de leyenda”, a reação geral:
“Ao sair em notória desvantagem, sendo o último em tomar o bastão, correu de maneira extraordinária com o apoio do público para vencer, de forma incrível, a prova no estádio do Fluminense. Tão incrível foi a vitória que os protestos não se fizeram esperar, alegando que o público havia influenciado no resultado”.
Mas vale ressaltar que reclamação era uma marca de quem via Gradín, afinal, era um colossal atleta. A vitória dos uruguaios foi tão impressionante que o público invadiu a pista. Com isso, os juízes não conseguiram registrar os tempos dos atletas. Sob a pressão da delegação chilena, a prova foi cancelada.
Contudo, em 2012, o Congresso da Confederação Sul-Americana de Atletismo reconheceu o ouro uruguaio. Assim, dando, postumamente, a Isabelino Gradín sua oitava medalha ouro. Seu legado no atletismo foi tão grande que o Uruguai teve que esperar quase 60 anos para voltar a ganhar medalhas.
Em 1922, nos Jogos Sul-Americanos, Isabelino Gradín, velocista uruguaio, pegou o bastão do 4×400 em desvantagem e venceu o torneio no Brasil, enlouquecendo o público que invadiu a pista. Os juízes não registraram os tempos dos atletas. Sob pressão chilena, a prova foi cancelada. pic.twitter.com/U9J1ze9KiG
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Homenagens
- O poeta peruano Juan Parra del Riego dedicou um poema intitulado “Dinâmica polirrítmica a Gradín, jogador de futebol”.
- Uma praça na Cidade Velha de Montevidéu leva seu nome. Em 2009, uma estrela memorial foi colocada na praça pelo governo local.
- Uma das mais novas torcidas organizadas do Peñarol leva seu nome.
- Um clube esportivo de bairro, fundado em 7 de fevereiro 1940, na cidade de Santiago, no Chile, leva seu nome: Club Isabelino Gradín de Andes con Herrera.
- Uma biografia de sua vida foi lançada em 2000. Obra da escritora uruguaia Carina Blixen, intitulado Isabelino Gradín: testemunho de uma vida.
O Pelé Uruguaio tinha um “pequeno fã”: Edson Arantes do Nascimento
O mês de dezembro de 1944 avança e o Peñarol se preparava para disputar a final do campeonato uruguaio. Hospitalizado por alguns meses, Isabelino Gradin não conseguia se mexer da maca. Porém, mesmo assim, conseguiu enviar mensagens para os jogadores Manyas. Ele explicou-lhes, sem qualquer pretensão, o que representava vestir a camisa do Peñarol. Assim, com o troféu conquistado, todos os jogadores foram ao hospital Pasteur, em Montevidéu. À sua cabeceira, dedicam-lhe o título de campeão. Quatro dias depois, no dia 21, então com 47 anos, deu o seu último suspiro. Morreu como viveu: na pobreza total.
Como muitos jogadores de sua época, ele era um amador, jogava sem receber, pois o futebol profissionalizou-se no Uruguai somente em 1932, quando já não mais jogava. Ignorou o racismo que o cercava a ponto de ter influenciado poetas, escritores e até jogadores. Por fim, segundo o site do Peñarol, o jovem Pelé, no início dos anos 60, dizia: “Gradín era o meu ídolo!”.
Foto destaque: Reprodução/Arotxa/El País





