Miller & Fried – As Origens do País do Futebol

Somos o país do futebol, do jogo mais bem jogado, da ginga que encanta gringos e dos gols bonitos. Mas, muitos só conhecem o futebol brasileiro a partir de 1950 e seu nefasto Maracanazo na Copa do Mundo. Pois, poucos se lembram dos pioneiros da bola e das jornadas de introdução do esporte no Brasil. Assim, disponível no Amazon Prime Vídeo, a coluna recomenda o documentário Miller & Fried – As Origens do País de Futebol que narra as trajetórias de dois dos mais destacados impulsionadores do futebol brasileiro, ainda nas primeiras décadas.

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Logo, lançado em 2016, a obra nos remonta ao final do século XIX, época em que o Brasil estava em ebulição. Isso porque, era o fim da escravidão, iniciava-se a imigração e a urbanização era crescente no país. Assim, nesse contexto, o futebol desembarca em solo brasileiro juntamente com o jovem Charles Miller. Posteriormente, sofre uma revolução pelos pés mágicos de Arthur Friedenreich.

ATENÇÃO: O TEXTO A SEGUIR PODE CONTER SPOILER. CASO NÃO QUEIRA PERDER SUA EXPERIÊNCIA, ASSISTA O DOCUMENTÁRIO E VOLTE DEPOIS PARA LER.

Dessa forma, com direção de Luiz Ferraz, Miller & Fried – As Origens do País do Futebol conta com relatos de biógrafos, historiadores e jornalistas, entre eles Paulo Vinicius Coelho. Assim, juntos, eles realizam um passeio pela história do futebol brasileiro em seus primeiros chutes ao gol, na virada do século e nas primeiras décadas do século XX. Além disso, tem apoio em vídeos e fotos da época e, ainda, em reconstruções encenadas que engrandecem a experiência fílmica.

CHARLES MILLER

Com um roteiro dividido, ainda que não tão claramente ou intencionalmente, em dois blocos temáticos, a obra dá campo a biografia das duas destacadas personalidades. Inicialmente, cronologicamente, traz o percurso de Charles Miller, a partir de uma obra escrita por John Mills. Logo, paulista, filho de ingleses, nascido em 1874, e, como costume da época, enviado para estudar na Europa. Assim, ao retornar ao Brasil, Miller trouxe na mala duas bolas, uma agulha, uma bomba de ar e dois uniformes.

No entanto, esta é apenas a versão oficial de como o futebol chegou ao Brasil. Pois, é uma das narrativas que ainda traz a de Thomas Donohoe, um operário escocês que chega ao país para trabalhar na Companhia Progresso Industrial do Brasil. Logo, ao perceber que não se praticava o esporte em solo tupiniquim, pede que lhe enviem uma bola. Dessa forma, em 1894, teria sido realizado o primeiro jogo de futebol no nosso país. Mas, sem se ater a documentar nenhuma partida, fiquemos com a história oficial dada a preocupação de Charles Miller.

PRIMEIRO A DOCUMENTAR

Assim, a grande contribuição de Charles Miller foi organizar e incentivar a prática do futebol no Brasil. Além disso, como dito, ele teve a atenção de registrar as partidas que realizava. Devido a isso, um ano após a sua chegada, ocorreu aquele é tido como o primeiro jogo oficial de futebol no país, na Várzea do Carmo, em 18 de fevereiro de 1895, entre o São Paulo Railway e o Gás Team.

Para contar sua história, Miller & Fried – As Origens do País do Futebol traz como condutor o neto do personagem, Carlos Miller Neto. Portanto, algo que deixa o relato ainda mais humano e aproxima o expectador da narrativa contada. Apesar disso, curiosamente, após toda a parcela de contribuição, Charles Miller não viu o Brasil ser campeão mundial, pós morreu poucos anos antes.

ARTHUR FRIEDENREICH

Muito embora, a história de Charles Miller seja a oficial, alguns historiadores defendem a inserção do futebol no Brasil por intermédio de Hans Nobling, em 1897. Após chegar ao país com uma bola e dois estatutos do clube Hamburgo, da Alemanha, juntamente com amigos, funda o Germânia, em São Paulo. Logo, é dessa equipe criada por Nobling que surgiu o segundo personagem do documentário: Arthur Friedenreich, com base no livro do jornalista Luiz Carlos Duarte.

Ao romper com os jogos tipicamente internos entre ingleses e escolares brasileiros, o novo clube permitiu que o futebol se espalhasse por São Paulo. Assim, dessa ação, Friedenreich foi seu primeiro expoente e um dos maiores nomes do futebol brasileiro e mundial. Logo, filho de descendentes de alemães com uma negra brasileira, o jogador foi um legítimo exemplo da miscigenação nacional. Desde pequeno, jogava nos campos de várzea difundidos por Miller.

O PRIMEIRO ÍDOLO NACIONAL

Tão logo ingressou no Germânia, esteve presente no primeiro jogo da história da , em 1914, contra o Exceter, da Inglaterra. No entanto, cinco anos após, entraria de vez para a história lendária da Amarelinha ao ser o craque do Campeonato Sul-Americano de 1919, realizado no Estádio das Laranjeiras. Além de marcar quatro gols no torneio, El Tigre, como ficou conhecido, ainda anotou o tento do primeiro grande título da Canarinha. No entanto, a quantidade de gols marcados é ainda uma polêmica com alguns afirmando mais de 1.300 e outros 558 tentos.

Além disso, uma lenda sobre Friedenreich é que ele nunca teria perdido um pênalti em mais de 500 cobranças. No entanto, alguns registros já indicam que o atacante desperdiçou em torno de 12 penalidades, o que ainda não retira o status de exímio cobrador de tiros da marca da cal. Logo, com grandes números, ainda se tornou ídolo internacional, não somente brasileiro. Assim, as chuteiras usadas na final do Sul-Americano ficaram expostas em uma importante joalheria do Rio de Janeiro nas primeiras décadas do século XX.

MILLER & FRIED – AS ORIGENS DO PAÍS DO FUTEBOL

Dessa forma, Miller & Fried – As Origens do País do Futebol retrata com certa margem de detalhismo a caminhada dos dois personagens. Talvez, dando mais terreno a Friedenreich em seu segundo ato, a fita se torne, nesse ponto, menos dinâmica por apresentar uma mescla de fotos e comentários intermitentes. No entanto, algo que não compromete a experiência.

Se Charles Miller entra para a história como esse grande impulsionador do futebol no Brasil, Arthur Friedenreich personifica a obra de Miller completa. Logo, os dois se unem para representar a pluralidade brasileira com sua ginga e talento peculiares, o futebol em sua essência. Sem dúvidas, sem suas contribuições, o esporte não teria cada vez mais reunido uma fervorosa legião de amantes e praticantes.

Muito por isso, Miller & Fried – As Origens do País do Futebol é um exemplar impar na estante cinematográfica por registrar para a posteridade suas contribuições. Ainda mais, em uma época em que a Amarelinha ainda não tinha esta cor, mas já pintava de verde e amarelo as vitórias nos campos e os títulos que tanto orgulham a nação. Uma obra de 70 minutos que precisa ser vista para que não esqueçamos dos que bem antes de nós já faziam história, apesar das adversidades.

Foto Destaque: Reprodução / Olé Produções

Ricardo do Amaral

Ricardo do Amaral

"Alvíssaras! Sou Ricardo Accioly Filho, pernambucano de 29 anos, advogado e estudante de jornalismo pela Uninassau. Tenho como mote que “no futebol, nunca serão apenas 11 contra 11”; é arte, é espetáculo, humanismo, tem poder de mover multidões e permitir ascensões sociais. Como paixão nacional do brasileiro, o futebol me acompanha desde cedo, entretanto como nunca tive habilidade para praticá-lo, busquei associar duas vertentes de minha vida: o prazer pela leitura e o esporte bretão. Foi nesse diapasão que encontrei no jornalismo esportivo o elo de ligação que me leva a difundir e informar o que, nas palavras de Steven Spielberg, é o “mais belo espetáculo de imagens que já vi”."