A coluna desta semana traz a história da luta contra o racismo no futebol nacional. O Vasco da Gama, personagem importante no enredo, já nasceu combatendo o preconceito. Dessa maneira, o Gigante da Colina venceu dentro e fora dos gramados. Além disso, é uma publicação especial por conta da semana da Consciência Negra.
Índice
O futebol nem sempre foi para todos
No final do século XIX, o futebol no Brasil era privilégio da elite branca. A abolição da escravatura havia sido decretada poucos anos antes, entretanto, mesmo assim, negros não eram aceitos nos clubes. Em suma, na teoria, a escravização tinha acabado, contudo, não existiu a inserção desses indivíduos na sociedade, já que não houve também a reforma agrária. A entrada dos negros no futebol aconteceu de forma gradual. A partir disso, a coluna Nostalgia Brasileira mostra parte do processo e, em especial, a importância da Resposta Histórica e dos Camisas Negras.
Pioneiro na luta por respeito e igualdade no esporte, o Club de Regatas Vasco da Gama celebra esta data tão importante para o país.
20 de novembro: Dia da Consciência Negra pic.twitter.com/IiLFFAnXvK
— Vasco da Gama (@VascodaGama) November 20, 2017
Ponte Preta e Arthur Friedenreich
De fato, o Vasco não foi a primeira equipe a ter negros em seu elenco. Anteriormente, de acordo com o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, o primeiro time foi a Ponte Preta, em 1900. Jorge Araújo Miguel do Carmo, mais conhecido como Migué, foi um dos fundadores do clube paulista. Com Migué, Luiz Garibaldi Burghi, Antonio Oliveira (o Tonico Campeão), Alberto Aranha, Dante Pera, Zico Vieira e Pedro Vieira da Silva (primeiro presidente da história do clube) nasceu, em 11 de agosto de 1900, a Associação Athletica Ponte Preta.
Outro personagem importante é Arthur Friedenreich, o primeiro grande ídolo da Seleção Brasileira. Filho de um descendente de alemães com uma negra brasileira, Fried herdou a cor da pele de sua mãe e os olhos verdes de seu pai, ressaltando a miscigenação, que é um dos principais símbolos do Brasil. El Tigre, como também era chamado, foi o herói no duelo da Seleção Brasileira contra o Uruguai no Sul-Americano de 1919. Depois de um empate em 0 x 0 no tempo normal, houve duas prorrogações de 30 minutos cada, já que não existia, na época, disputa de pênaltis em caso de empate.
No auge do cansaço dos jogadores, El Tigre marcou para o Brasil aos 5’ da segunda prorrogação. Logo, nos detalhes da partida, consta que o gol saiu aos 125’. Assim, a Canarinho conquistava pela primeira vez o título da Sul-Americana. Muitas lendas rondam o futebolista: quanto ao número de gols e também que Friedenreich jamais teria desperdiçado uma cobrança de pênalti. É muita história… Vale um outro texto especial na coluna Nostalgia Brasileira somente com histórias de Fried.
Dia 18 de julho é dia de celebrar os 128 anos do nascimento do nosso primeiro craque 🏆🐯 #JogaBola
'El Tigre' Friedenreich estreou na Seleção em 1914 e marcou o gol do primeiro título da Canarinho: o Sul-Americano de 1919! pic.twitter.com/eCs7bXcKJk
— CBF Futebol (@CBF_Futebol) July 18, 2020
Os operários de Bangu
Além do Vasco e da Ponte Preta, o Bangu também foi símbolo de resistência e de luta ao racismo. Foi fundado em abril de 1904 por ingleses que trabalhavam na na Fábrica de Tecidos Bangu. No ano seguinte, o time era composto por cinco ingleses, três italianos, dois portugueses e um brasileiro, o operário negro Francisco Carregal.
Vasco: o primeiro clube do Brasil a ter um presidente negro
Em síntese, o Cruz-maltino foi o primeiro clube a eleger um presidente negro. Assim, trata-se de Candido José de Araújo, que chegou à presidência em 1904, foi reeleito posteriormente e, dessa maneira, ficou na cargo até 1906. Além disso, foi durante do mandato de Candinho, como era conhecido, que o Vasco conquistou o primeiro título de remo, em 1905, esporte tradicional na época.
Um ano antes de sua posse, foi o responsável por captar o maior número de sócios para o Vasco, feito importante para o desenvolvimento do clube. Contudo, em entrevista ao portal SuperVasco, Ricardo Pinto, historiador e criador do Centro de Memória Vasco da Gama, ressaltou que eleição o mandato de Candido não representou propriamente um progresso para a categoria. Dessa maneira, naquele ano, tornou-se o primeiro tesoureiro da história do Cruz-maltino.
“Não é só a uma condição de negro, mas a que negro estamos nos referindo. Candido era um negro com posses, estudado, então, nem sempre a condição de negro traz uma ausência de racismo. O racismo transcende essa condição. Você pode ter um presidente negro que não traga efetivamente nenhum avanço para o acolhimento dos negros das camadas populares, por exemplo”, afirmou Ricardo Pinto.
Por fim, de toda forma, é importante ressaltar a importância do símbolo do mandato de Candido. Quando chegou ao cargo, havia apenas 16 anos desde abolição da escravatura, que, portanto, ocorreu em maio de 1888, com a assinatura da Lei Áurea.
Marcado, Candido José, em um piquenique na Ilha do Engenho com sócios,
quando era tesoureiro do Vasco, em 1903 (Reprodução Arquivo CRVG)
Vasco da Gama, clube valente: Camisas Negras
Os jogadores do Vasco, conhecidos como “os camisas negras”, conquistaram, em 1923, o primeiro título do Campeonato Carioca da história da equipe. A campanha foi incontestável: em 14 jogos, foram 11 vitórias, dois empates e uma derrota. O uniforme era composto por uma camisa preta com uma cruz vermelha, semelhante à da Ordem de Cristo, no lado esquerdo do peito, e golas brancas.
A partir dali, incomodados com o sucesso e a popularidade do Vasco da Gama, os rivais decidiram criar uma nova liga: a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA). Em suma, a instituição foi fundada por América, Bangu, Botafogo, Flamengo e Fluminense. Com isso, a principal exigência da federação era de excluir 12 jogadores que, de acordo com os cartolas, não apresentavam “condições sociais apropriadas para o convívio esportivo”. Alem disso, citaram o analfabetismo como um dos motivos para desqualificar parte do elenco vascaíno.
(Reprodução/Memória Vascaína)
A Resposta Histórica
Dessa maneira, em resposta à AMEA, os Cruz-maltinos redigiram a Resposta Histórica, carta protestando contra o racismo. No dia 7 de abril de 1924, o Vasco enviou o documento a Arnaldo Guinle, presidente da AMEA, declarando que a equipe não iria participar do torneio sem os 12 atletas “de cor”, como foi escrito na carta. Sendo assim, o Gigante da Colina continuou na LMDT (Liga Metropolitana de Desportos Terrestres) e, ainda em 1925, sagrou-se campeão do competição de forma invicta: 16 triunfos em 16 jogos. Com isso, o Vasco se popularizou entre as camadas suburbanas da sociedade carioca. No ano seguinte, percebendo, novamente, o sucesso que o Cruz-maltino fazia, principalmente nas bilheterias, os clubes da AMEA aceitaram a entrada do Gigante da Colina. A partir disso, o Vasco provou que era era grande dentro e fora das quatro linhas.
(Reprodução/Jornal dos Sports – Especial Vasco 96 anos)
“Eu já lutei por negros e operários. Te enfrentei, venci, fiz São Januário”, diz o canto da torcida cruz-maltina.
O Vasco tem no currículo títulos da Libertadores (1998), Sul-Americana (1948) e Campeonato Brasileiro (1974, 1989, 1997 e 2000), mas sua maior conquista foi a luta contra o racismo e a favor da igualdade. Portanto, a Resposta Histórica foi um marco nessa luta e, com isso, foi fundamental para levar o futebol, um esporte elitizado na época, aos trabalhadores. “Respeito e Inclusão”, um dos lemas cruz-maltinos, fazem parte da história do Vasco da Gama. Um Gigante da Colina, que também é um gigante no futebol.
Camisas Negras (Reprodução/Memória do Torcedor Vascaíno)
Foto destaque: Reprodução/Arquivo CRVG