Por dentro da melhor temporada do Botafogo no Brasileirão

Antes de mais nada, o atual campeão da Série B, o Botafogo, irá voltar a disputar a Série A do Brasileirão em 2022. Contudo, além dos dois títulos da 2ª divisão que o Glorioso possui (2015 e 2021), o clube carioca tem também dois títulos da elite do futebol brasileiro.

Assim, o título de 1995 é o mais recente. Portanto, está bastante vivo na memória do torcedor. Nomes como Túlio e Donizete sempre serão inesquecíveis. Entretanto, poucas são as pessoas que sabem a história do 1º título do Botafogo, reconhecido como Campeonato Brasileiro apenas em 2010. Assim, foi a Taça Brasil de 1968, conquistada pelo Glorioso, que foi a melhor campanha do Botafogo no Brasileirão.

Antecedentes da Taça Brasil

Em suma, só jogavam a Taça Brasil, as equipes que tinham grande destaques em seus campeonatos estaduais (além do atual campeão e vice da competição). No caso do Rio de Janeiro, ganhava a vaga para a Taça Brasil, a equipe que vencesse a Taça Guanabara (que na época, era a grande competição estadual do Rio de Janeiro). E o Botafogo acabou vencendo o Flamengo na final da Taça Guanabara para garantir sua vaga na Taça Brasil do mesmo ano (1968).

Início da Taça Brasil para o Botafogo

A saber, o Botafogo estreou na Taça Brasil já nas quartas de final. Já que campeão e vice da edição anterior (Palmeiras e Náutico, respectivamente), além dos representantes da Guanabara (Botafogo) e de São Paulo (Santos) entraram somente nesta fase. Assim, o Glorioso também já tinha adversário definido: Metropol, de Criciúma, Santa Catarina. A princípio, um clube completamente desconhecido da imprensa carioca. Portanto, a mesma tratava com desdenho o adversário do Botafogo.

Jogo de Ida: Botafogo domina

Contudo, o Metropol era um adversário forte. Já que havia eliminado o Grêmio nas fases anteriores por duas vezes (em 1964 e 1968). Além disso, era a maior força de Santa Catarina naquela época. No aspecto técnico, o treinador Zagallo não fazia ideia de como jogava o clube catarinense. Já que, naquela época (1968), era muito difícil adquirir informações de clubes de fora do grande eixo do futebol no Brasil.

Pelo lado do Metropol, o treinador João Carlos demostrava bastante confiança. Já que ele considerava seu time muito veloz e de excelente preparo físico. Por fim, João afirmava que mesmo que sua equipe não conseguisse um bom resultado no Maracanã, não seriam derrotados em Santa Catarina e eliminariam o Glorioso.

Chegou o grande dia da estreia: 5 de dezembro. Contudo, o dia não começou bem para o Botafogo. Já que Jairzinho voltou a sentir a virilha e foi vetado do jogo. Entretanto, na hora do jogo em si, um passeio da equipe carioca. Assim, o Glorioso aplicou uma goleada impiedosa de 6 x 1 sobre um Metropol que estava perdido na partida.

Apesar de toda a imprensa apontar esta vitória fácil, os jogadores não se deixaram levar pela empolgação e entraram em campo com aquilo que o técnico Zagallo pediu: seriedade. Já que para conquistar a Taça Brasil, o Botafogo não podia subestimar nenhum adversário. Em suma, o Botafogo entrou em campo naquele dia com: Cao; Moreira, Zé Carlos, Dimas e Waltencir; Gerson e Carlos Roberto; Rogério, Roberto, Humberto e Paulo Cézar. Entretanto, o destaque daquele jogo foi o atacante Ferretti, que marcou duas vezes.

Jogo de volta: A batalha de Criciúma

Já a partida de volta foi bem mais complicada para o Botafogo. Já que os catarinenses se irritaram bastante com a experiência de ouvir o jogo através da imprensa carioca, que estava sempre tratando o Metropol como “time de caipiras”. Apesar de não ter nada a ver com o clube carioca, foi ele quem pagou o pato.

Portanto, as coisas começaram a dar errado já no embarque para Criciúma. Já que Gerson e Roberto simplesmente não apareceram no aeroporto. Este fato desencadeou uma crise no vestiário. Primeiramente, pois os dois jogadores sofreram duras sanções, que incluíram multa de 60% do salário e até mesmo a denconvocação dos atletas para a Seleção Brasileira (que mostra a influencia do clube carioca sobre a seleção naquela época). Para o lugar dos jogadores que não se apresentaram, Zagallo escalou Ferreti e Afonsinho.

Na chegada ao estádio, os jogadores sentiram o clima pesado. Em suma, é comum que a torcida local hostilize o clube visitante (principalmente após uma derrota tão dolorosa). Porém, as coisas passaram do tom e chegaram a amedrontar os jogadores, que temiam pela sua integridade física. Não apenas na chegada, mas durante toda a partida.

O 1º tempo: ameaças contra o Botafogo

Assim , este fato mexeu com o psicológico dos jogadores. Aliado a isso, o Metropol começou com tudo a partida. Os jogadores do time catarinense pareciam estar com raiva da humilhação sofrida no Maracanã. E quando o time da casa abriu o placar, aos nove minutos, começou o show de violência em Criciúma.

Aos 16 minutos, o catarinense Di subiu com força excessiva de cabeça para dividir com Humberto e ambos levaram a pior. A saber, os dois acabaram deixando o campo com forte sangramento na cabeça. Aos 36, Afonsinho (que estava substituindo Roberto) acabou reagindo a uma falta duríssima que ele sofreu, e a coisa chegou as vias de fato: troca de socos. O resultado foi que ambos foram expulsos. No mesmo lance, Ortunho (jogador do Metropol) xingou o árbitro pela expulsão e também acabou com o mesmo destino.

Naquela época, a maioria das competições não era decidida em placar agregado. Em suma, uma vitória valia dois pontos, e se houvesse uma vitória de cada lado nos dois jogos, haveria um 3º jogo, de desempate. Portanto, ao fim do 1º tempo, o Metropol estava forçando o 3º jogo com a vitória.

A torcida local perdeu a paciência com o jogo do Botafogo e começou a arremessar objetos (que, segundo relatos, variavam de copos plásticos com líquidos até grandes rádios a pilha) no gramado e no banco de reservas da equipe carioca. Além disso, Zagallo chegou a relatar que ouviu de um dos jogadores que “se o Botafogo empatasse, a torcida iria invadir”. A mesma ameaça foi feita para a arbitragem.

O 2º tempo: pesadelo para o Botafogo

No intervalo, o árbitro cogitou suspender a partida pela falta de segurança no estádio. Porém, ao consultar o chefe de policiamento daquele jogo, ele ouviu a seguinte resposta: “Se o senhor suspender o jogo, eu não garanto sua vida, nem do time do Botafogo“. Diante de tal cenário, o juiz resolveu terminar a partida. Entretanto, tudo foi registrado na súmula, o que deixou o Metropol em situação complicadíssima com a CBD (antiga CBF).

Com a etapa complementar já acontecendo, o juiz passou a ser ameaçado também pela torcida e por jogadores (principalmente, pelas diversas faltas marcadas a favor do Glorioso e por ter cogitado suspender a partida). Assim, os jogadores do Metropol passaram a agredir ainda mais os jogadores do clube carioca. Em suma, a partida não foi jogada em momento nenhum do 2º tempo. Já que o Botafogo abriu mão do futebol, por medo de represálias. Assim, os jogadores apenas tocavam a bola de um lado para o outro.

Todavia, tudo que o Botafogo fazia era repreendido por todo o estádio. Até que faltando três minutos do fim, a torcida invadiu o campo para agredir os jogadores do Glorioso. A situação ficou insustentável, com a policia não conseguindo conter tamanha agressividade, e a partida foi encerrada.

A situação só piorava. Já que após a briga entre jogadores e torcedores (que aconteceu), Carlos Roberto deu uma entrevista falando que “aquilo ali parecia terra de índio”. O repórter, mal intencionado, publicou que o Botafogo, como um todo, havia ofendido a cidade de Criciúma. Então, o clube acabou ficando preso dentro do hotel durante o tempo em que esperavam a 3ª partida (que aconteceria ali mesmo). Esta foi uma recomendação da policia local, que naquela altura, já não garantia a vida de nenhum jogador do Botafogo.

A novela do 3º jogo

Naturalmente, a súmula da “Batalha de Criciúma” veio a público (algo que não era comum na época). Com isso, mais a pressão da imprensa carioca, diversas medidas foram tomadas. Entre elas, o perdão do Botafogo para Gerson e Roberto (que haviam feito muita falta na 2ª partida), e a mudança do local da partida (que sairia de Criciúma e iria para Florianópolis). Além disso, a partida acabou sendo adiada. O que fez com que a delegação do Botafogo pudesse, finalmente, deixar Criciúma.

Com toda esta novela, a Taça Brasil de 1968 adentrou 1969. Já que a diretoria do Metropol não engoliu fácil as determinações da CBD. Assim, acusou a entidade de “favorecer o Botafogo“, afirmou que o estádio de Florianópolis “não tinha a menor condição de receber a partida” e acusou o árbitro de mentir na súmula. Em suma, o clube catarinense pediu mais uma vez o adiamento da partida. O pedido foi recusado e o Metropol ameaçou simplesmente não entrar em campo. Assim, dando a vitória ao Botafogo por W.O. E assim aconteceu: o Metropol anunciou que estava desistindo da Taça Brasil no dia 3 de março.

Naturalmente, houve comemoração por parte do Botafogo, que acabou não durando muito tempo. Já que a CBD insistiu para que o clube catarinense mudasse de ideia, o que acabou acontecendo. Assim, o Metropol aceitou os termos do Glorioso (de que a 3ª partida seria disputada no Rio de Janeiro), cancelou sua desistência, e a partida aconteceu no dia 2 de abril de 1969, em General Severiano.

O verdadeiro 3º jogo

Contudo, a novela estava longe de acabar. Já que a partida foi interrompida aos 14 minutos da etapa complementar, devido a forte chuva que castigava o gramado. Meia hora depois, a partida foi suspensa. E para piorar: segundo o regulamento, caso uma partida fosse suspensa, ela deveria começar do zero, em outro dia. Uma novela que já durava cinco meses, valida ainda pelas quartas de final. Naquela altura, a Taça Brasil parou para acompanhar o drama de Botafogo x Metropol.

Contudo, dois dias depois, finalmente teve fim a novela. O Metropol, inexplicavelmente, voltou para Santa Catarina, afim de aguardar a decisão da CBD. Contudo, a decisão foi para que as equipes se enfrentassem no dia 4 de abril, no mesmo Rio de Janeiro. Assim, sem conseguir voltar para o Rio a tempo, o Metropol perdeu por W.O.

Semifinal: Botafogo x Cruzeiro

A saber, tanto Botafogo quanto Cruzeiro constantemente perdiam jogadores para a Seleção Brasileira. Portanto, ambas as equipes queriam que a partida só acontecesse quando as equipes estivessem completas. Porém, as ameaças de multa pesada da CBD e a justificativa de que a Taça Brasil já havia durado demais convenceram as duas diretorias para jogar no dia 23 de agosto, em Belo Horizonte.

A essa altura, além dos desfalques para a seleção (Jairzinho e Paulo Cézar) o Botafogo já não contava com Gerson (vendido ao São Paulo). Entretanto, mesmo com desfalques, o Glorioso venceu a Raposa em Belo Horizonte por 1 x 0 (gol marcado por Ferretti). Neste dia, o Botafogo entrou em campo com: Ubirajara; Moreira; Zé Carlos; Leônidas e Waltencir; Afonsinho e Carlos Roberto; Zequinha, Roberto, Ferretti e Torino.

Contudo, o craque do jogo naquele dia, o atacante Roberto tratou de incendiar as coisas após, segundo ele, ter sido “perseguido” em campo por Fontana (zagueiro Cruzeirense). Assim, colocou uma emoção a mais na partida do Rio de Janeiro. Inclusive, os dois acabaram se estranhando e sendo expulsos no Maracanã. Em suma, a partida acabou 1 x 1 (gols de Palhinha para o Cruzeiro e Roberto para o Botafogo) e o Glorioso acabou se classificando para a grande final.

Desfecho da Taça Brasil

Jogo de Ida

Na grande final, o Botafogo iria enfrentar o Fortaleza, que era o grande azarão da outra semifinal. Assim, o Náutico era o favorito, mas acabou caindo para o Leão. A partir daí, instaurou-se um clima de “já ganhou” nos jogadores botafoguenses. Contudo, a torcida sempre manteve a pulga atrás da orelha. Ainda mais, pois a 1ª partida foi realizada em Fortaleza.

A pulga atrás da orelha do torcedor do Botafogo foi com razão. Já que o Glorioso acabou tendo bastantes dificuldades e sequer ganhou a partida. Inclusive, saiu da 1ª etapa perdendo por 2 x 0. Entretanto, conseguiu o empate graças a Ferretti, que marcou duas vezes na etapa complementar. Final de jogo: 2 x 2. Por fim, o Botafogo entrou em campo com Ubirajara; Moreira, Zé Carlos, Leônidas e Waltencir; Afonsinho e Carlos Roberto; Zequinha, Humberto, Ferretti e Torino.

Jogo de Volta

Para a derradeira partida de volta, o Botafogo finalmente poderia contar com seu grande jogador: o Furacão Jairzinho. Entretanto, não foi assim que aconteceu. Já que o camisa 7, já de volta da Seleção Brasileira, sofreu uma lesão no tornozelo no treino. Portanto, o grande destaque da competição e substituto do Furacão durante toda a competição, Ferretti iria para o jogo mais uma vez.

Em suma, o clima no Botafogo era de insegurança, devido ao fraco desempenho da última partida. E a lesão de Jairzinho só complicou as coisas. Contudo, na hora de entrar em campo, este clima foi dissipado e o Glorioso entrou com bastante seriedade, muito pregado por Zagallo.

Assim, diante de 34.588 pessoas no Maracanã, o Botafogo venceu (e convenceu) por 4 x 0 e conquistou a Taça Brasil, o 1º título nacional do Glorioso. E finalmente tinha fim o “Campeonato Brasileiro” mais longo da história, que acabou mais de um ano e meio depois de seu começo (a competição teve fim no dia 4 de outubro de 1969).

Foto Destaque: Reprodução/Placar

João Victor Freire

João Victor Freire

Jornalista em formação pela Universidade Veiga de Almeida (RJ). Apaixonado pela profissão e por esportes, principalmente Automobilismo e Futebol. Porém, não dispenso nenhum esporte sequer. No que precisar de mim, eu estarei lá.