Foi uma noite incomum no Allianz Parque. O jogo, válido pela 25° rodada, trazia a campo o time da casa, o Palmeiras, líder da competição, contra o Flamengo, vice colocado na tabela. A partida, que já era enorme por si só, recebeu aditivos especiais ainda no final de semana. Domingo à noite, diante do Grêmio em Porto Alegre, Gabriel Jesus sofreu uma contusão e teve de ser substituído aos 29 minutos do segundo tempo. A noite terminou com uma dúvida: o melhor jogador do Palmeiras perderia os próximos jogos diante de Flamengo e Corinthians?
Na terça-feira, no embarque do time carioca para São Paulo, a torcida do Flamengo lotou o saguão do aeroporto Santos Dumont para apoiar a equipe. Para aqueles que estavam chegando naquela tarde ao Brasil, provavelmente ficaram se perguntando se o Flamengo estava indo para o Mundial de Clubes, devido à grande mobilização da massa rubro-negra. Festa linda, que os palmeirenses não iriam deixar barato. Como não deixaram.
Na mesma noite a mobilização para a reedição do “Corredor Verde” na entrada do ônibus da delegação ao estádio já estava armada entre os torcedores, que prometiam uma festa tal qual a do ano passado, antes da final da Copa do Brasil contra o Santos. Missão dada e missão cumprida. Centenas de torcedores palmeirenses enlouqueceram ao ver o ônibus chegar ao estádio. A festa a base de fogos, bandeiras e sinalizadores, digna de uma final de campeonato, era o prelúdio ideal para a partida que ganhava, desde domingo, cara de final.
O setor Gol Norte do estádio, único setor onde ainda pode-se ver um futebol menos “gourmetizado”, à moda antiga (não fossem pelas cadeiras), onde o torcedor fica à vontade para escolher onde ficará, sem precisar procurar pelo número de sua cadeira, onde ainda se torce os 90 minutos de pé, sem que ninguém atrás o mande sentar, onde as torcidas organizadas fazem suas festas, ficou vazio pela primeira vez. Entretanto, aconteceu algo de positivo nisso.
Os torcedores que lá ficavam se espalharam pela arena. O torcedor do Gol Norte é mais festeiro que os das cadeiras superiores, por exemplo. Diante do Flamengo, foi a primeira vez que vi, nos setores superiores do estádio, um jogo inteiro em pé. Espalhados pelos 32.885 lugares ocupados, contagiaram o clima de quem não é habituado a cantar muito, a pular ou ajudar nas palmas. Um ambiente que, auxiliado pela importância do jogo e pelo ar de “final antecipada”, despertou nos torcedores aquele velho modo de torcer, como faziam nos anos 80 e 90, e que cada vez mais perde-se nessas imponentes arenas frias.
O hino nacional, que eu particularmente acho desnecessário e o pior momento antes de um jogo, para o palmeirense, tornou-se um dos mais agradáveis. A torcida canta, ao invés do hino à bandeira verde e amarela, sua própria canção. No jogo de quarta, a plenos pulmões, o estádio inteiro cantou como se a vida do clube dependesse daquele jogo. Momento de orgulho do torcedor palmeirense. Pela história do clube e pelo time, que hoje, representa essa história em campo.
Nos bastidores, tanto Cuca quanto Zé Ricardo, não davam pistas de suas escalações. Somente às 21h30 foi liberada a escalação do Flamengo. A equipe da casa, não dava nenhum posicionamento, quando surgiu, por troca de mensagens online, a escalação da equipe com Barrios como titular. Entretanto, alguns minutos depois, uma atualização, dessa vez oficial, foi entregue aos jornalistas com Gabriel Jesus no lugar do paraguaio. Nas arquibancadas, poucos sabiam se Jesus jogaria ou não.
Após o Hino Nacional, tradicionalmente a torcida uniformizada da Mancha Verde canta o hino do Palmeiras. Um dos raros momentos em que o estádio canta, inteiramente, uma música puxada pelas organizadas. Um erro no telão, fez a escalação, que sempre é apresentada de maneira festeira, que havia sido interrompida para o Hino Nacional do Brasil, voltou a anunciar os jogadores restantes. Dentre os jogadores que faltavam, Gabriel Jesus foi anunciado. E nesse momento o estádio enlouqueceu.
Um erro no telão que culminou com a confirmação do principal jogador do time entre os titulares, que possivelmente não jogaria e praticamente já estava descartado do jogo ao longo da semana por comentaristas esportivos, durante um dos raros momentos em que toda a torcida canta junto, fez explodir o Allianz Parque de tamanha maneira que, com segurança, a única vez em que aquelas arquibancadas tenham registrado tantos decibéis, tenha sido após o pênalti convertido de Fernando Prass na final contra o Santos.
A torcida prometeu e cumpriu. Entregou tudo que podia naquele jogo. Vendo os VTs mais tarde, percebi que não dava para dimensionar o que havia acontecido pelos microfones da TV que não captaram a festa. Uma pena. O show que uniu aquela arquibancada, como há muito não se via, é o combustível que completará o que faltar ao time dentro de campo, assim como aconteceu na Copa do Brasil do ano passado. O clichê “o gigante acordou” serve para dizer que nesse ano de 2016, o Palmeiras, enfim, resgatou nos jogadores a confiança de jogar em casa, e nos adversários o medo de jogar no Allianz Parque. A nossa casa voltou a ser temida e isso se deve a torcida.