Brasil x Chile, 2014: antes a bola não tivesse carimbado a trave

Seis anos atrás, o Brasil estava dividido, como ainda está, politicamente, socialmente, mas quando a bola rola, deixamos as diferenças de lado em torno da mística verde e amarela. E 2014 foi o ápice dessa união, pois a Copa estava entre nós. Vinhamos de um ressurgimento, em casa, na Copa das Confederações derrotando a então invencível Espanha sob gritos de “o campeão voltou!“. Olhava para o banco e via o técnico do penta, Felipão, e o do tetra, Parreira. Em casa, uma certeza de que o hexa viria no Rio de Janeiro.

No entanto, este não será um texto para lamentar o 7 x 1 do Mineirão. Assim, desçamos dois degraus na escada até a taça mundial. Pois, estamos na tarde de sábado de 28 de junho de 2014. Oitavas de final. Belo Horizonte, coincidências à parte, foi o mesmo palco da fatídica partida daquele mundial. E se pudéssemos ser visionários, teríamos percebido sintomas já naquele jogo. Hoje, a coluna Marcas da Copa recorda a classificação brasileira diante do Chile em que Júlio César defendeu dois pênaltis e avançamos para enfrentar a Colômbia de Züniga.

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Dessa forma, 2014 foi o ano em que a Copa do Mundo voltou para o Brasil, após 64 anos. Se não bastasse reviver, em cada partida, o trauma do Maracanazzo, havia a pressão por ganhar a competição jogando em casa, que já não vinha há 12 anos desde o penta no Japão. Havíamos parado duas vezes nas quartas de final na Alemanha e na África do Sul. Foi a primeira copa de Neymar. Tínhamos o melhor goleiro do mundo à época. A dupla de zaga mais valiosa da Europa. Os dois principais laterais do Real Madrid e Barcelona. Jogadores experientes e vivendo o auge de suas carreiras.

Na primeira fase, . Apenas um leve susto no segundo confronto diante do México com o empate em 0 x 0. No entanto, a Seleção Brasileira ainda não havia sido testada, nem antes, nos amistosos, alguns contestados pelo baixo nível técnico dos adversários. Desse jeito, encararíamos um irmão sul-americano nas oitavas de final. Logo, todo bom brasileiro conhece a famosa frase do locutor Galvão Bueno: “Tá em crise? Chama o Chile.“. Todavia, este não era o Chile de outras copas.

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Isso porque, naquela época, estava sendo montado o embrião do elenco campeão da América nos dois anos seguintes. Assim, comandado pelo argentino Jorge Sampaoli e, no campo, liderado por Arturo Vidal e Alexis Sanchez, o Chile jogou, dificultou a vida e fez sofrer. E como fez sofrer! Pois, o jogo que eu não esperava aconteceu e só avançamos na dolorosa disputa por pênaltis.

BRASIL (3) 1 x 1 (2) CHILE

1° TEMPO

Assim, a partida começou com o Brasil povoando o campo de ataque e criando boas oportunidades de gol em bolas paradas. Enquanto que ao Chile, jogando contra a Seleção e um estádio apinhado de gente, coube jogar por uma bola. Não faltou polêmica. Pois, aos 13′, Hulk foi tocado dentro da área e o juiz nada marcou. Mas o gol não tardaria a sair. Poucos minutos depois, em escanteio cobrado por Neymar, Thiago Silva desviou de cabeça e Jara completou contra o patrimônio. No entanto, o tento foi dado a David Luiz. Festa no Mineirão e em todo o Brasil. Parecia o roteiro perfeito daquela tarde.

Após o gol, a Seleção diminuiu a pressão inicial e viu o Chile crescer explorando uma atuação insegura da defesa brasileira. E na primeira chance que os chilenos tiveram, Hulk recepcionou mal um lateral de Marcelo, Vargas roubou a bola e entregou para Alexis Sánchez que chutou cruzado, rasteiro, para empatar a partida. Assim, com a igualdade no placar, o Brasil não conseguia criar tanto e ficava refém de chutes de longe. Enquanto que o adversário, por dois momentos, viu brechas na zaga e quase complicou ainda no primeiro tempo.

Brasil x Chile, 2014: antes a bola não tivesse carimbado a trave
Após desvio de Thiago Silva, David Luiz se envolve no lance do gol brasileiro (Foto: Reprodução/Leonhard Foeger)

2° TEMPO

Dessa forma, a etapa final teve o mesmo panorama do fim da primeira jornada. Apesar de uma boa chance nos primeiros minutos com Fernandinho, a Seleção cedeu espaços e o Chile ameaçava a todo momento. Assim, em um raro instante de perigo, Hulk recebeu bola na área e bateu cruzado para as redes. Nova explosão de alegria, que durou pouco, porque o atacante havia dominado com o braço e o juiz anulou o gol. Os chilenos não faziam cerimônias e seguiam explorando a insegurança e irregularidade do nosso sistema defensivo. Na melhor chance deles, Júlio César começou a se tornar protagonista do jogo. Mesmo com as entradas de , Ramires e Willian, nada mudou.

PRORROGAÇÃO E PÊNALTIS

Logo, visivelmente desgastada, os instantes finais foram de sufoco, tensão e nervosismo. Cada bola lançada na área era um tormento e um verdadeiro teste para cardíaco. Não deu outra, iríamos para a prorrogação e com o Chile animado. Assim, já demonstrando exaustão, as duas equipes pouco produziram nos dois tempos de 15 minutos. Do lado brasileiro, apenas uma boa chance na bomba de Hulk em que Bravo fez grande defesa. Já os chilenos fizeram cera, carimbaram a trave de Júlio César e seguraram o resultado. A verdade bateu a porta, a vaga seria decidida nas penalidades.

O clima era tenso. A torcida apreensiva. Alguns gritavam “Eu acredito!“, cântico consagrado pelos atleticanos de Minas Gerais. Mas a verdade é que os jogadores estavam nervosos de reviver um Maracanazzo. Nesses momentos, se esperava que as lideranças assumissem o controle. No entanto, o capitão Thiago Silva sentou na bola e… rezou sob lágrimas. Nas cobranças, David Luiz e Marcelo marcaram, mas Willian e Hulk desperdiçaram. Do lado chileno, Aránguiz e Díaz converteram. Além disso, Júlio César teve seu grande momento ao defender duas penalidades. Neymar, com frieza, deu o match point. No final, o chute de Jara acertou a trave e nos classificou para a explosão verde e amarela e o respiro desse meu coração brasileiro que quase parou.

Brasil x Chile, 2014: antes a bola não tivesse carimbado a trave
Paulinho dá apoio ao capitão Thiago Silva antes das penalidades (Foto: Reprodução/Wilton Junior/Ag. Estado)

SINTOMAS “LEVES” DO 7 X 1

Passados seis anos, me recordo das palavras de Felipão de que o Chile seria o adversário mais difícil a se enfrentar nas oitavas de final. E estava certo, foi difícil. No entanto, também nos complicamos por nós. Sofremos com medo de um fantasma que se tornaria mero pesadelo de criança duas partidas depois. Sofremos pelo despreparo emocional de um elenco que chegou à Copa experiente, apesar da pouca idade. Mas acima de tudo, a pressão psicológica de ter que ganhar em casa e a sensação de uma Seleção Brasileira “europeizada“, talvez, foram os sintomas, já sentidos naquele jogo, mais fulminantes na semifinal.

Com isso, para mim, a imagem final da Copa 2014, além de toda a alegria por receber o maior evento do futebol, tenha sido o choro de quem carregava a braçadeira. Longe de personalizar a “derrota”, mas de encontrar marcas para aquele mundial. Muito por isso, o drama do 7 x 1 não me derrubou de um baque só. De tão rápido, foi sem sofrimento. Até porque já estávamos doentes, só não percebíamos os sintomas.

Foto destaque: Reprodução / Marcos Ribolli

Ricardo do Amaral

Ricardo do Amaral

"Alvíssaras! Sou Ricardo Accioly Filho, pernambucano de 29 anos, advogado e estudante de jornalismo pela Uninassau. Tenho como mote que “no futebol, nunca serão apenas 11 contra 11”; é arte, é espetáculo, humanismo, tem poder de mover multidões e permitir ascensões sociais. Como paixão nacional do brasileiro, o futebol me acompanha desde cedo, entretanto como nunca tive habilidade para praticá-lo, busquei associar duas vertentes de minha vida: o prazer pela leitura e o esporte bretão. Foi nesse diapasão que encontrei no jornalismo esportivo o elo de ligação que me leva a difundir e informar o que, nas palavras de Steven Spielberg, é o “mais belo espetáculo de imagens que já vi”."