O futebol feminino tem uma história de preconceito, proibição e injustiça, que, aos poucos foi sendo modificada, mas que ainda está longe do cenário ideal. A categoria tem ganhado mais popularidade no Brasil com as conquistas de Marta, disputas olímpicas e Pan americanas, mas também pelo espaço de luta que as jogadoras se impuseram nos últimos tempos. Exigir maior visibilidade e espaço, principalmente em transmissões de televisão, para o futebol feminino permitiu que a categoria conseguisse subir mais um degrau.
Mesmo o futebol feminino não ainda não ter conseguido o mesmo espaço do masculino, muitas atletas tiveram que suar a camisa para conquistar o que vemos hoje. A missão de fugir da discriminação e do preconceito começou muito antes de Marta.
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Um pouco da história
A Inglaterra é o berço do futebol e é de lá que veio o primeiro registro de uma partida de futebol feminino. A disputa foi realizada em 1898 em Londres, onde disputaram Inglaterra x Escócia. No caso do Brasil, a primeira partida tardou para acontecer. Antes, haviam jogos com times mistos de homens e mulheres, mas considera-se que em 1921 tivemos a primeira partida de futebol feminino no Brasil.

A disputa ocorreu na zona norte de São Paulo entre os bairros Tremembé e Cantareira. O jogo não foi bem visto por muitos, inclusive jornais como ‘A Gazeta’, que classificou a partida como uma situação curiosa e até cômica. O preconceito e limitação do papel da mulher na sociedade naquela época era muito forte e no futebol não foi diferente. Naquele tempo, as mulheres tinham um papel secundário no esporte e ficavam apenas na torcida ou frequentavam os concursos de madrinhas de clubes.
Quando a proibição começou
Correr pelo campo atrás da bola não era visto como uma atividade que podia ser realizada por mulheres. O futebol era considerado impróprio para as damas. Por ser visto como um esporte bruto, o futebol não agradava os mais conservadores do país. Apenas em 1941 aconteceu o primeiro jogo de futebol masculino apitado por uma mulher. Isso só aconteceu, pois, o árbitro escalado para aquela partida havia passado mal e foi substituído por uma mulher.
Contar a história do futebol feminino é contar uma história de resistência. No mesmo ano, em 1941, as mulheres foram proibidas de praticar o esporte no Brasil. A criação de um decreto lei durante o Estado Novo proibia a prática de esportes “incompatíveis com a natureza feminina”. Não apenas o futebol, de campo ou salão, mas outros esportes vistos como ‘masculinos’ como lutas, pólo e halterofilismo. O decreto foi assinado em 14 de abril de 1941 pelo então presidente da república Getúlio Vargas.

O artigo 54 do decreto-lei, afirmava que “às mulheres não se permitirá a prática de desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. O período obscuro de vigência deste decreto anulou qualquer chance de atletas mulheres se profissionalizarem no futebol. Não apenas isso, por ser um decreto, a mulher que praticasse era criminalizada.
Pior fase da proibição
Na época era comum o ideal de que a mulher deve cuidar do lar e da família e não perder seu tempo com esportes ‘brutos’. Mas toda essa concepção não impediu que muitas mulheres parassem totalmente com o futebol. Essas mulheres sempre desafiaram a “essência feminina” idealizada por Vargas.
O esporte era praticado na surdina em campos de várzea e em locais em que o Estado não chegava, como as periferias. Mas, em 1965 a coisa ficou pior. O governo militar nomeou oficialmente esportes considerados inadequados para as mulheres na legislação do Brasil. Entre eles estavam o futebol, polo aquático, halterofilismo e beisebol.
Muitas mulheres foram presas nessa época mais severas quando pegas jogando futebol. Até argumentos médicos foram levados em consideração para a proibição do esporte no país. Alegava-se que a mulher que jogasse futebol poderia levar cotoveladas no útero ou nos seios, o que a tornaria infértil e não poderia amamentar. Em outros países o cenário não foi diferente. Nações como a própria Inglaterra, berço do esporte, e Alemanha proibiram o esporte para as mulheres na década de 70. A partir desse ano, foi criada a Federação Internacional do Futebol Feminino.
Fim da proibição
No Brasil a situação ficou maleável apenas em 1979 com o fim do decreto-lei, justamente pela abertura política ao fim da ditadura militar. Apesar de não ser mais proibido, o futebol feminino não se desenvolveu imediatamente no país e isso trouxe consequências até hoje para a categoria.

Um dos motivos pelo “atraso” do futebol feminino foi a demora para a regulamentação da modalidade, que só foi acontecer em 1983. Apesar da conquista, o regulamento apresentava muitas falhas como proibição de cobrança de ingressos e proibição da troca de camisetas após a partida com o time adversário.
Os reflexos do preconceito com o futebol feminino também foram sentidos nas edições das Copas do Mundo. Enquanto a primeira Copa do Mundo de futebol masculino foi realizada em 1930, o evento para o futebol feminino foi se concretizar apenas 60 anos depois, em 1991.

Entretanto, é inevitável que os mais de 30 anos de proibição tenham deixado marcas e reflexos negativos até hoje. A falta de incentivo, salários menores, piores condições de trabalho, falta de patrocinadores são apenas alguns dos problemas que a categoria ainda enfrenta. Mas, depois de muita pressão, o cenário vem mudando, ainda que lentamente. Apenas em 2019, pela primeira vez, quatro canais nacionais puderam ter o direito de transmissão ao vivo da Copa. Na TV a cabo, todos os jogos foram transmitidos por alguns canais.
Foto destaque: Reprodução/Arquivo público/Museu do futebol